domingo, 7 de fevereiro de 2010

Soluções fáceis

Em frente ao Cabaré Kalesa, ele para e olha pra dentro do bar que fica na parte de baixo da casa. Adentra o recinto parecendo que contando os passos. São oito horas da manhã. O brilho do sol reluz seu cordão de ouro maciço, que fica exposto graças a camisa cinza aberta pela metade.
Os trabalhadores que estão dentro olham para o sujeito. Ele tira o palito da boca, observou o espaço e senta em um banco do boteco.
Levanta a mão, num sinal de quem chama o atendente, que limpa as mãos em um pano de prato e se aproxima. Ele pede uma cerveja. O atendente vai buscar enquanto ele se olha no espelho no outro lado do balcão. Passa a mão no cabelo preto e liso, olhos castanhos, pele branca e bigode aparado.
Quem está em volta, umas oito pessoas, deixa de olhar para o sujeito para olhar as noticias que se iniciam na TV, enquanto comem pão na chapa e tomam uma média.
Crise do gás: fronteira com o Brasil é fechada: estudantes pró e contra o governo se enfrentam nos postos alfandegários, diz uma das manchetes.
Eu não conseguiria ficar nessa guerrilha. Quando eu perceber que a confusão está armada, eu ia sair pipocando quantos eu quisesse, mataria fácil, matar é fácil, ninguém ia me ver, diz o sujeito, olhando para os demais que ali estavam.

Olhando com jeito de estranhamento, o garçom chega com a cerveja em uma mão e um copo na outra, coloca os dois no balcão, abre a cerveja, serve com pouca espuma e sai. O homem bebe um gole e deixa apenas metade da cerveja no copo.
Ele fica sério de olho nas notícias. Rio, Caxias e São Gonçalo terão tropas: militares irão garantir campanhas em áreas de risco até as eleições. O que tinha que fazer é aproveitar esse pessoal e fazer uma limpa nessas favelas. Tem que sufocar essa bandidagem pra garantir um bom trabalho. Matar é fácil, comenta o sujeito, enquanto bebe a cerveja, que parece água, devido o jeito em que toma. Está com sede, o copo não para cheio. O bigode fica branco de espuma da cerveja. Passa a língua no bigode e continua a ver o noticiário.
Outra: Bandidos matam refém por não serem atendidos: policia não atende a pedido de criminosos e matam vitima do seqüestro depois de horas de negociação. As vezes parece que a polícia não pensa, não é inteligente, comenta, em sua quarta cerveja e com ar de sobriedade.
Se eu estou na negociação atendo os pedidos deles, sem problema, a vitima seria liberta, e ai já teria homens seguindo os vagabundos. Quando chegassem na área deles, deve ser em uma favela qualquer, bem longe da imprensa, os policiais teriam matado os caras facilmente, matar é fácil, complementa, olhando para todos do bar, e esses de forma leve levantam e abaixam a cabeça.
O jornal acaba. O sujeito, no fim da oitava cerveja, pede a conta. O atendente mostra a conta, ele paga, espera o troco olhando ao redor com cara de tranquilidade. O atendente volta, entrega o troco para ele, que agradece. Tira um palito do paliteiro, se levanta e caminha em direção a saída.
Os frequentadores olham para ele, que se aproxima da saída. A luz do sol que vem de fora faz com que quem está dentro vê somente o vulto dele. Quando põe a segunda perna fora do bar, alguém se aproxima, tira a arma da cintura e atira na cabeça do sujeito, que cai ali. O sujeito sai caminhando, como se matar fosse algo comum e fácil.

Um comentário:

  1. "Tá lá o corpo estendido no chão..." (João Bosco)

    Dear, é facil morrer, é fácil matar...

    A vida é muito frágil, e matar pode ser reflexo de um momento.

    Seu cantinho virtual está cada vez melhor...

    beijos

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