sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

VIAGEM FELIZ

O relógio de rua marca nove horas da noite. Quando o ônibus dobra a Rua Visconde de Inhaúma e chega na Avenida Rio Branco, Tião faz sinal. O ônibus diminui a velocidade, não está cheio. O ônibus para e ele embarca.

Ao tirar as moedas do bolso observa que dois vizinhos seus estão no fundo da condução sentados, conversando e rindo. Tião conta as moedas e dá ao trocador. Passa pela roleta e vai em direção a um acento. Tião não tem intimidade para falar com eles, nunca foi de falar com eles, e nem eles com Tião, nunca trocaram uma idéia. Olha o único acento vazio, está a dois bancos a frente de onde estão os dois rapazes. Vai em direção a ele.

Tião senta. Tira do bolso uma caderneta e um lápis, olha para os papéis soltos dentro da caderneta, começa e ler as anotações feitas, contas a pagar, lugares para entregar currículo, pessoas para entrar em contato, projetos a realizar.

Quando começa a organizar as tarefas, seus ouvidos começam a escutar a conversa dos dois que falam alto. João, mesmo não querendo, escuta a conversa, mas não consegue entender o que falam:

- O nome de seu filho vai ser Jonny Quest.

- Cash? Cash é dinheiro em inglês num é?

- Num tá bom não?!

Entre as palavras, que para Tião eram soltas, cabiam as risadas. Não desperdiçam nenhum intervalo. Mostram-se radiantes, tranqüilos, como se sentissem uma felicidade plena.

Tião não conseguia escrever. Começou a olhar para cada tópico. Como alguém consegue ser feliz cheio de problemas. Esses putos devem tantos problemas quanto eu, e estão ali falando escrotice, como se a vida deles tivesse resolvida.

Os dois jovens, entre 22 e 25 anos, tinham pai e mãe em suas respectivas famílias, mesmo que pobres, mas conseguiam com muito esforço sustentá-los. Tião, com seus 25 anos, já paga o aluguel da casa, que está atrasado e não sabe como pagar depois de descobrir no final do expediente que havia sido dispensado pela firma de limpeza em que trabalhava.

Tião olha para os dois falando em comprar roupas e festas à ir. Isso aumentava a tensão. Percebeu que eles estavam felizes, mesmo tendo problemas, assim como muitos que passam apressados pela Rio Branco. Se pergunta como podem estar felizes tendo sofrimentos, parece que não conhecem o meio em que vive.

O ônibus passa pelo Aterro do Flamengo. Tião começa a ser ver nessa situação de não querer lembrar-se dos problemas. Encontra uma solução. Ao passara pela Enseada de Botafogo, João se levanta e puxa cigarra. Caminha até a porta. Olha pra eles, eles não olham ou fingem não olhar. O motorista abre a porta. Tião desce no ponto. Aguarda outro ônibus vir. Ao ver um ônibus se aproximando, Tião vai para o meio da pista. A felicidade foi tanta que nem sentiu a vida. Tião morreu rindo.

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. "Morreu na contramão atrapalhando o tráfego..."

    Bom texto

    bjs

    Luciana Motta

    ResponderExcluir
  3. Divinamente explicado por Luciana Motta!
    "Morreu na contramão atrapalhando o tráfego..."

    ResponderExcluir